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Igreja Evangélica Gay: Um Caminho Sem Volta


igreja gay betel
Neste mês de agosto, a Comunidade Betel do Rio de Janeiro, igreja onde sou pastor, completou três anos de atividades públicas. Nesses três anos, conquistamos e fomos conquistados por muitos amigos muito especiais, dentre esses, Sérgio Viúla, que esteve entre nós no último domingo para falar sobre processo de libertação LGBT( Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), “sair do armário” como dizemos popularmente.
Sérgio tem uma rica experiência de vida e no que diz respeito à religião e homossexualidade, ele é um mestre! Estudou Teologia, foi pastor batista, missionário e professor de seminário. Nesta fase, casou, é pai de dois filhos e fundou o Movimento pela Sexualidade Sadia (MOSES) junto com João Santolin. Trabalhando no MOSES, aos poucos foi percebendo o quão falacioso é a tentativa de ser o que não é e, então, rompeu com tudo. Separou da esposa, saiu da igreja, deixou de ser pastor e assumiu sua homossexualidade. Concedeu uma bombástica entrevista à revista Época, revelando-se e também revelando a falácia do MOSES. Tornou-se ateu. Hoje é professor de inglês, estudante de Filosofia na UERJ, é dono do blog “Fora do Armário” e vive feliz ao lado do seu amor, Emanuel.
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Sérgio Viúla ex-pastor
Para muitos cristãos fundamentalistas, Sérgio é um desertor; para mim, Sérgio é um profeta. Na entrevista que segue, Sérgio compartilha conosco sua experiência de vida e visão de mundo.
Sérgio, como aconteceu sua adesão à fé cristã e qual foi o ápice dessa trajetória?
Eu me converti na Igreja Missionária Evangélica Maranata durante um culto realizado no auditório da A.B.I. (Associação Brasileira de Imprensa). Depois de muito insistirem, dois amigos meus finalmente conseguiram me convencer a ir ao culto. Fui duas vezes, e na segunda vez entreguei-me publicamente a Cristo. Tinha apenas 16 anos de idade, mas levei tão a serio a decisão que rapidamente subi na hierarquia da igreja. Fui professor de EBD, líder de mocidade, missionário com a Operação Mobilização. Mais tarde, saí da Maranata e fui para outra igreja pentecostal, onde continuei trabalhando arduamente no ministério. Quando percebi que esta igreja desviara-se do que considerava bíblico, migrei para a Igreja Batista (CBB). Já havia me formado no Seminário Teológico Betel, no qual também lecionei. Fui ordenado pastor. Trabalhava como editor do jornal Desafio das Seitas, que era administrado pelo Centro de Pesquisas Religiosas (CPR). Fiz duas pós-graduações em missiologia no Seminário Teológico Betel em parceria com o Fuller Theological Seminary dos Estados Unidos. Fiz um Seminário de Liderança Avançada pelo Instituto Haggai em Cingapura. Este foi meu último grande feito como crente. Nenhum destes ministérios, porém, foi mais INÚTIL para o bem da humanidade do que o MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia), do qual eu fui um dos fundadores em 1997.
Você foi um dos fundadores do MOSES [Movimento pela Sexualidade Sadia] que prega a conversão de homossexuais em heterossexuais. Como foi o processo até você entender que essa conversão é uma falácia?
Diversas coisas aconteceram para que eu pudesse despertar do sono dogmático em que me encontrava. Primeiro, fui percebendo eu mesmo – a despeito de toda fé e dedicação – não experimentara nenhuma mudança real. Depois, passei a prestar atenção à vida das inúmeras pessoas que nos procuravam e passavam pelos aconselhamentos, retiros, orações etc. Nenhuma delas havia mudado de fato. Só sabiam sofrer com a tensão entre o que diziam os fundamentalistas cristãos e o que desejavam de coração. Várias pessoas se envolveram com pessoas que estavam no MOSES. Várias vezes presenciei confrontações entre a liderança do MOSES e gente que havia transado com amigos conhecidos no ministério. Além daqueles que transavam fora e traziam suas histórias aos prantos para as sessões de aconselhamento.
O MOSES hoje me parece em declínio, não ouvimos mais falar de ações desta instituição. Você atribui isso a quê? Muitos pensam que sua entrevista à revista Época, naquele tempo, foi um duro golpe na instituição.
Certamente que a minha denúncia foi um divisor de águas. Não é todo dia que um homem com 18 anos de crença e ministério, fundador de um grupo de “reversão”, pastor de uma igreja respeitada, com vasta experiência ministerial, vem a público e denuncia as falácias de uma organização e crença deste tipo. Os próprios crentes passaram a desconfiar daquela organização. Não só isso, mas entre a própria liderança já havia aqueles que se perguntavam por que as pessoas não mudavam realmente. Devem ter visto em tudo isso um ponto final para a pergunta. Porém, sempre há os saudosistas e não me admiraria se alguém retomasse o nome desta organização e sua proposta.
Sair do armário é um duro processo! O título do seu blog é “Fora do Armário” diz muito sobre a sua atual condição existencial. Como foi esse processo de sair do armário para você e para a sua família?
Foi duro. Fui perseguido por meus pais e irmãs, minha ex-mulher, incompreendido por “amigos” etc. Meus filhos foram surpreendentemente maduros, apesar de tão novos. Nunca deixaram de me amar e querer estar comigo. Deixei minha casa e tudo o que havia dentro dela nas mãos da minha ex-mulher por causa dos meus filhos. Comecei do tudo do zero de novo. Arrumei novo emprego, porque a escola na qual lecionava estava nas mãos de gente da igreja batista, e a convivência ficou insustentável. Nunca me arrependi de ter saído do armário. Fui em frente. Batalhei. E por isso progredi para um emprego melhor, consegui minha casa própria, conheci Emanuel (com quem estou casado hoje), passei a morar perto dos meus filhos (que estão com minha mãe atualmente), meus pais passaram a aceitar a realidade e se dão bem comigo e com Emanuel atualmente. Estou colhendo a tranquilidade que plantei no meio da maior tempestade que enfrentei na vida. Valeu a pena!
Pesando tudo isso, apesar das lutas internas e externas, valeu a pena? O que você diria para alguém que deseja muito sair do armário, mas ainda não encontrou forças para isso?
Sair do armário vale a pena! É muito melhor viver 100% na autenticidade com relação à sua homoafetividade do que “de dia ser Maria e de noite ser João”, como cantava o Chacrinha. A pessoa nem é realmente heterossexual e nem vive plenamente sua homossexualidade. Quando a gente é resolvido e assumido, a chantagem, a ameaça, as acusações indiretas e coisas semelhantes perdem totalmente o efeito. Você assume o controle de sua própria vida e desejo. Se tiver que mudar tudo para viver plenamente, mude! Eu mudei de emprego, de endereço, de amigos, mas ganhei qualidade de vida, tranquilidade e as condições necessárias para me realizar plenamente.

O ateísmo que hoje você professa é fruto de um processo de entendimento acerca da religião, sua natureza e papel social ou reação emocional, portanto, reativa, a tudo o que você viveu na igreja evangélica? Como você de cristão passou a ateu?
Tudo isso junto. Compreendi que – essencialmente falando – o cristianismo não está em posição melhor do que qualquer outra religião atual ou antiga. A religião egípcia, grega, cananita pode ser encarada até como superior em alguns aspectos. Qual é o fundamento seguro, ou seja, evidente e infalível que me garante que Deus existe, ou que a Bíblia é uma revelação divina, ou que o céu existe, ou que o inferno seja real? Como saber seguramente que Jesus e não Maomé ou Buda é o caminho, a verdade e a vida? Quem me garante que Jesus – se existiu de fato – não foi meramente um judeu, inconformado e ressentido com os dominadores da época, que acabou sendo mitificado por seus seguidores como ainda hoje acontece com aqueles que inspiram os desesperados. O próprio Inri Cristo que vive no sul do Brasil e alega ser a reencarnação de Cristo tem seus seguidores. Pode parecer uma comparação ridícula, mas só soa ridícula, porque a carga emocional que cerca a figura de Jesus hoje é muito forte. Imagine como seria visto o Inri Cristo daqui a algumas décadas ou séculos se pudesse contar com todos as forças políticas, sociais e econômicas que levaram Jesus a se tornar o messias de milhões pessoas do lado de cá do mundo. Haveria quem acendesse fogueiras em nome dele!
Emocionalmente falando, entender que não preciso dar contas a deus nenhum me liberou para ser eu mesmo e fazer de mim o melhor que eu possa. Se por um lado eu não tenho um fustigador celestial, por outro não tenho um onipotente provedor. Isso me libera para ser e fazer muito mais da vida! Deus não existe para cobrar, mas também não existe para dar nada. Não existe medo e nem esperança inútil. Restam a determinação em fazer da vida uma obra de arte e a ação prática na realização desta empreitada!
Como você analisa este fenômeno social das igrejas inclusivas?
Acho excelente que os homossexuais crentes tenham onde se reunir e cultuar. Não sou contra o culto. Apenas não cultuo. Entretanto, gosto mesmo é da postura de igrejas como a Comunidade Betel em Botafogo. É uma comunidade engajada na luta pelos direitos dos homossexuais, que gosta de pensar e não tem medo de ideias confrontadoras. Fico muito preocupado com as “igrejas-clone” de igrejas homofóbicas que apenas encaram a homossexualidade de uma forma positiva. Gay-friendly não significa sempre certo. Uma igreja simpatizante dos homossexuais que anestesia seus membros com doutrinas e práticas que os isolem da realidade social e política que os circunda não é diferente de qualquer outra, no que diz respeito à luta pela emancipação plena do cidadão homossexual.
Algumas igrejas históricas como Anglicana, Luterana (nos EUA) e Presbiteriana (na Escócia) estão reconhecendo a homossexualidade como algo natural. Tais igrejas já ordenam pastores e pastoras homossexuais e celebram os ritos de casamento. No seu entendimento enquanto teólogo, o que está acontecendo nestas igrejas é fruto do trabalho cada vez mais relevante da militância LGBT ou os teólogos resolveram admitir publicamente que a Bíblia não condena a homossexualidade?
A militância tem grande mérito nisso. As igrejas chamadas inclusivas estão assustando por seu crescimento – o que significa que muitas igrejas da ala tradicional estão perdendo membros. Eles são obrigados a parar e refletir sobre isso. Os teólogos muitas vezes pensam coisas diferentes daquelas que a maioria dos pregadores dizem em seus púlpitos. Saber que eles estão revendo seus conceitos é uma boa nova. Já houve tempo em que negro só se reunia em igreja de negro nos EUA. Isso é segregação. Quero ver o dia em que gays não tenham que frequentar e ministrar somente em igreja de gays. No dia que isso acontecer, podemos dizer que a segregação por orientação e identidade sexual é coisa do passado. Espero viver para ver.
A verdade realmente liberta?
A verdade liberta! Mas só deve ser entendido por verdade aquilo que possa ser evidentemente demonstrado e que se aplique a todas as situações daquele mesmo tipo em qualquer tempo e lugar. Por exemplo, não é verdade que a homossexualidade seja pecado, apesar de muita gente achar que isso seja verdade. Para aqueles que pensam ser verdade que a homossexualidade é pecado, a “verdade” é escravizante, porque não é VERDADE, de fato. Neste sentido, a VERDADE liberta. Quando o indivíduo perceber que a homossexualidade é universal, apresentando-se em mais de 300 espécies animais, perpassando toda a história da humanidade, sendo característica de gente que produziu muito mais do que a média no campo das artes, da política, da filosofia, da ciência, essa pessoa vai ser liberta da ignorância, do dogma escravizante. Neste sentido, verdade equivale a conhecimento verdadeiro. E o conhecimento (não a fé) realmente liberta! Transforma! Fecunda a vida! Vale a pena reavaliar o que se pensa e ousar pensar diferente e agir diferente quando se percebe que tudo não passava de um profundo e doloroso equívoco.
* Márcio Retamero, 35 anos, é teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói, RJ. É pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro – uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva -, desde o ano de 2006. É, também, militante pela inclusão LGBT na Igreja Cristã e pelos Direitos Humanos. Conferencista sobre Teologia, Reforma Protestante, Inquisição, Igreja Inclusiva[gay] e Homofobia Cristã.
Ao contrário dos falsos profetas da paz que nos dizem que o melhor ainda está por vir, a igreja evangélica gay se revela um mal pressagio para esse tipo de mensageiro. Segundo a bíblia, a vida aqui na terra vai cada vez mais descer esgoto a baixo, à medida que se aproxima a volta de Cristo, e uma parte considerável da chamada “igreja evangélica” seguirá este curso. “Quando, porém vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?”  Luc 18:8
Outro ponto, como uma pessoa sem ser convertida, como ele mesmo diz, conseguiu passar 18 anos no seio da igreja e ter uma trajetória como a que ele teve, entre irmãos, sem ser identificado? Resposta: Conversões forjadas aos milhares, não espontâneas, dessas que ocorrem na igreja moderna porque o que se procura é número, nunca a verdade de fato. Métodos humanos, administração humana na igreja deslocando o Seu verdadeiro Senhor por direito. Seminários e missões humanas, dos quais já conheci alguns, onde o Espírito de Deus passa longe e servem apenas para dar mau testemunho e de sustento de uma porção de malandros que posam de missionários à custa de crentes tolos. Estrutura eclesiástica falida, estruturada nos moldes do mundo, onde a única exigência prévia é o diploma de segundo grau junto com a motivação pessoal. Esses são alguns dos motivos que ajudaram a produzir um episódio lamentável como esse. Acredito que isso é uma tendência dos nossos tempos, e será cada vez mais constante, não necessariamente nesse molde, mas é um resultado lógico quando se abandonam os métodos bíblicos para implantar os do homem.

JOTTA ANDRADE

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